sexta-feira, maio 04, 2007

Com as próprias mãos

Cidade de Santos, litoral paulista. Uma menina de 10 anos é estuprada e estrangulada, até a morte, com um fio de carregador de celular. O corpo nu, deixado em uma cama, foi encontrado pela mãe. Um suspeito do crime, o desempregado Daniel dos Santos, acusado de vários roubos na região, foi levado à delegacia. Negou o crime e não foi reconhecido pelas testemunhas.

Não convencidos da inocência do rapaz, moradores lincharam Daniel, até a morte, com pedaços de pau e canos. Dois dias depois, a polícia comunicou que exames de DNA mostraram que Daniel não era o estuprador. A polícia, agora, busca os linchadores do rapaz.

Deveriam se questionar sobre o que leva o povo a agir com as próprias mãos.

Em uma sociedade onde as instituições são respeitadas não há este sentimento de abandono em que vivemos. Acredita-se na polícia, no governo e na política de segurança pública. Acredita-se que juízes não vendem sentenças; que agentes não facilitam fuga de presos; e que políticos não aceitam propinas para aprovar este ou aquele projeto. Mas isso, em um país sério, desenvolvido, que respeita seu povo e suas vítimas. Não é o caso do Brasil. Acontecimentos desta semana provam isso.

A fuga de "Champinha"

O assassino confesso do casal de namorados Liana Friedenbach e Felipe Caffé, em 2003, usou uma escada "esquecida" por funcionários de uma obra na unidade da Febem (que insistem em chamar de "Fundação Casa", como se o nome fosse mudar a história e os fracassos desta instituição).

Na fuga, Champinha usou metrô e ônibus até a zona leste da capital paulista. Sentou-se ao lado de várias pessoas que sequer sabiam do risco que corriam pois, protegido pelo ECA (Estatudo da Criança e do Adolescente), seu rosto jamais havia sido mostrado.

Durante a fuga, Champinha só não cometeu outros crimes porque não houve tempo suficiente para isso. Onze horas depois de fugir, o cruel assassino do casal Liana e Felipe estava nas mãos da polícia, dedurado pela própria família.

Todos com quem conversei sobre o assunto me disseram a mesma coisa "deveriam ter matado o animal". Não mataram. A polícia fez o politicamente correto: devolveu o criminoso para a justiça. O problema é que, desde o final do ano passado, Champinha já deveria ter sido transferido para um hospital psiquiátrico. Não foi, pela ausência do Estado. Em São Paulo, segundo a Secretaria de Segurança, não há um local adequado para tratar este psicopata.

Agora, a Vara da Infância e Juventude (sim, ele ainda é tratado como um menor) determinou que ele vá para uma "Unidade Experimental de Saúde" que - embora tenha sido inaugurada há alguns meses - sequer foi colocada em funcionamento. Determinou também que médicos da USP acompanhem a vida do sujeito e enviem relatório a cada 20 dias.

É muita bajulação (e gasto de dinheiro público) por um caso perdido enquanto nós ficamos à deriva neste país onde a violência e o descaso crescem a cada dia.

Anistia Internacional: omissão do Estado dá lugar à criminalidade

No mesmo dia que o país assiste ao empurra-empurra sobre o destino de Champinha, a Anistia Internacional divulgou um relatório sobre a criminalidade no Brasil. Este relatório sai um ano e meio depois do último relatório sobre o mesmo tema. A conclusão é que pouco ou nada foi feito para melhorar a questão da segurança pública no país. "Diante da crescente vulnerabilidade do Estado frente à criminalidade, examinam-se as falhas do sistema de justiça criminal, tais como a corrupção generalizada que permitiu ao crime organizado criar raízes que abalaram profundamente a confiança da sociedade no sistema de justiça e na polícia."

Eles sabem. Nós sabemos. Todo mundo sabe. Mesmo assim, o Estado continua ausente criando uma sociedade desesperada, revoltada e faminta por justiça... nem que seja pelas próprias mãos, na primeira oportunidade que tiver. Mesmo que esta seja contra um "inocente".

Diante de tudo isso, um herói

Dia 2 de julho um lavrador morador de rua receberá do Corpo de Bombeiros, em Brasília, a Medalha de Mérito Dom Pedro II, a mesma recebida pelo ex-presidente FHC, por contribuição com a corporação. A contribuição de José Aparecido, de 23 anos, foi se atirar de uma ponte para salvar uma mulher que havia sofrido um acidente de moto. E ele salvou mesmo. Jeane de Souza Andrade não sabia nadar. E nem poderia. Ela havia deslocado a bacia e fraturado o braço. Jeane disse: "Uma pessoa se jogar de cima de uma ponte para salvar outra, arriscando a própria vida, sem saber se vai conseguir... Pra mim ele é um anjo."

José Aparecido pode ser o anjo de Jeane. Ou pode ter feito o que fez simplesmente por instinto de sobrevivência e defesa ao próximo - muito mais desenvolvido entre os moradores de rua do que os que estão cercados de conforto. E, para lá, parece estarmos caminhando todos. Para uma sociedade onde, se o poder público não faz nada, faremos nós.

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