sexta-feira, julho 09, 2010

O direito de saber

Imagine ligar a televisão e, na hora do Jornal Nacional, entrar um documentário qualquer com uma tarja comunicando "Os jornalistas farão greve contra a lei da mordaça até às 6 da manhã de amanhã". Sabe quando uma Globo, SBT, Band ou Record se oporiam a uma lei do governo desta maneira? NNUNNCAAAA!!!!!!!!

Pois este foi o dia de hoje, aqui na Itália. Foi esta a imagem que vimos nos horários em que os telejornais deveriam ir ao ar (veja foto acima, mas não me pergunte do que se tratava o documentário porque eu nem vi!). Foi isso o que vimos por 24 horas no canal de notícias. A imprensa ficou muda e várias bancas de jornais fechadas contra uma lei, proposta pelo governo, que, entre outras coisas, impede a divulgação de escutas telefônicas em processos não sigilosos.

Greves são rotina na Itália, país regido pelos sindicatos de classes e, infelizmente, ainda por setores da máfia. Mas, para mim, jornalista e brasileira, ver este silêncio na televisão, nas rádios e nos jornais realmente foi chocante. Exatamente por saber que, no Brasil, isso jamais aconteceria. Não por falta de motivos (como o PNDH3, por exemplo), mas por falta de comprometimento público e excesso de comprometimento político.

Na Itália são duas as redes de televisão. A RAI (TV estatal) e a Mediaset (cujo dono é Berlusconi). E, acreditem, ambas aderiram à greve, hoje. AMBAS! Seria o mesmo que a TV Pública, do Lula, fazer uma greve contra as manobras políticas do molusco! E mais... imagine Lula, sendo realmente dono de uma emissora de TV, e esta fazer greve contra o próprio!

Dos mais de vinte jornais diários, somente nove circularam, hoje. Veja, na foto ao lado, os expositores das manchetes dos jornais diários. Não dá uma sensação estranha? Como se ficássemos privados, para sempre, das notícias importantes do dia a dia? Pois esta foi a intenção da imprensa. Mostrar como o silêncio e a falta de informação, de apenas um dia, poderá ser uma realidade de todos os dias!
Conversei com a proprietária de uma banca de jornal e, para ela, a censura deveria ser aplicada nas revistas de fofocas, que publicam fotos de atrizes semi nuas durante as férias milionárias das celebridades; que impõem um padrão de beleza que é seguido por milhões de jovens que se tornam anoréxicas (adorei a dona Elisa!) e que, de útil não tem nada. "Você sabe quantos criminosos são presos graças às escutas telefônicas? Muitos! Sem elas, a investigação vai ser comprometida e é isso o que eles querem". Palavras de dona Elisa. (continuo adorando ela!).

Na prática, a "lei da mordaça" contra a qual a imprensa italiana está em pé de guerra, impede não só a divulgação das gravações telefônicas e dos processos em si, mas dificulta (e muito) a autorização até das próprias interceptações. Para conseguir uma autorização judicial para grampear um telefone, a procuradoria vai ter que provar que o sujeito é culpado dos crimes pelos quais está sendo investigado, por exemplo. (Mas, se já tem provas contra ele, pra que grampeá-lo?)

Depois de apresentar provas concretas de que o cara é culpado, o Ministério Público vai conseguir, no máximo, 30 dias de grampo. Para prorrogar o prazo, vai ter que comprovar tudo de novo e assim mesmo vai conseguir por outros 30 ou 45 dias, que deverá ser aprovado por um conselho de três juízes (você tem idéia de como tudo isso pode ser lento, aqui na Itália? Nem queira saber...).

A quebra do sigilo telefônico também vai ter que enfrentar uma saga jurídica até que os investigadores tenham em mãos a lista de chamadas feitas por um suspeito de homicídio, de terrorismo ou de corrupção, por exemplo.

Os julgamentos não poderão mais ser registrados em câmeras, como já acontece na França e nos Estados Unidos, somente por desenhos.

Estes são apenas alguns dos principais pontos da "lei da mordaça" italiana. Uma lei que já foi aprovada pelo Senado e deve ser aprovada pela Câmara e depois pelo presidente Napolitano. Caminhos que, aparentemente, ela não encontrará obstáculos, para a infelicidade de um povo que quer se informar, que quer que o crime seja punido e que seus ciminosos sejam desmascarados, como eles já mostraram de inúmeras manifestações públicas nas últimas semanas (obviamente muito bem manipuladas e usadas pela oposição ao governo).

A privacidade de um cidadão é uma premissa inviolável. Disso, ninguém pode ter dúvidas. Mas quando este cidadão transita por caminhos tortuosos, combina propinas ou negócios ilícitos, superfaturamento e desvio de dinheiro público, ele passa de lado. O problema é que nem sempre o crime e os criminosos estão somente do lado de lá.

Desde sempre, políticos são pegos em conversas nada politicamente corretas e é isso o que eles querem impedir, que estas conversas compliquem as suas vidas, como os recentes escândalos envolvendo ministros de Berlusconi e do próprio premier.

Pena... é muita pena mesmo.

"A lei da mordaça nega aos cidadãos o direito de serem informados", La Repubblica)