Imagine você, tranquilo na sua casa, com sua família e seus filhos, vivendo dentro daquele orçamento apertado, mas sobrevivendo. Até que, um dia, dez pessoas abrem a porta da sua casa (sem bater mesmo) e se acomodam no sofá, no chão da cozinha, no banheiro, do jeito que der, simplesmente porque eles não têm onde morar, nem o que comer. Em princípio, você pode até sentir-se tocado por isso, tentar ajudar de alguma maneira, mas depois de algum tempo, vendo que os necessitados nem sequer limpam a sua própria sujeira, comem da sua comida e ainda reclamam, como você se sentiria? Gostou da sensação?
Pois é sso o que vivem os moradores da pequena ilha de Lampedusa, na Itália.
Lampedusa fica mais perto da África do que do próprio continente italiano. Cerca de 100km de um lado para 200Km do outro. Por isso, é alvo de desembarque diário de barcos vindos do norte da África recheados de refugiados que querem uma vida melhor. Pelo menos é o que dizem. Chegaremos lá mais adiante.
A ilha possui pouco mais de 5 mil habitantes, em sua maioria pescadores e agricultores. Mas a ilha mais que dobrou de habitantes só no mês de março deste ano, quando chegaram cerca de 8 mil tunisianos divididos em dezenas de barcos! Oito mil em um mês, mais do que toda a população da ilha!
As autoridades italianas têm que analisar cada caso, dar asilo político aos que necessitam e repatriar outro tanto. Mas isso leva tempo. Tempo que nem os imigrantes e muito menos os moradores de Lampedusa estão dispostos a esperar. Manifestações de intolerância se misturam às de solidariedade. Moradores que levam comida aos refugiados e os que ficam de guarda nos arredores dos centros de acolhimento tentando evitar que muitos refugiados fujam antes que seus casos sejam julgados.
De todos os tunisianos que chegaram na Itália nos últimos meses (cerca de 40mil em seis meses), mais de 10% deles é procurado pela justiça daquele país. Outros já têm várias passagens pela Itália com antecedentes nada bons, mas que contam sempre com a sorte de passar por uma barreira, fugir na multidão e - de novo - tentar a vida por aqui. Nesta semana, 1300 imigrantes que estavam no centro de acolhença forçaram os portões de fora e fugiram! Foram para a praça da cidade pedir para não serem enviados de volta à Tunísia (foto). Muitos moradores de Lampedusa aplaudiram! Enquanto a polícia não conseguia conter a multidão. Ao final, mais de 300 tinham fugido.
Lampedusa não tem mais condição de abrigar mais ninguém! O que fazer? Distribuir toda essa gente pela Itália, um país que já sofre a falta de emprego e até falta de lugar nas escolas, pode ficar ainda pior. Pode, mas não vai. Muitos prefeitos já fecharam as portas de suas cidades para a implantação de acampamentos que abrigam os imigrantes.
Muitos nem querem ficar na Itália, querer ir para a França encontrar parentes. Mas Sarkozy já fechou as portas para eles e mandou dezenas deles de volta. Pra onde? Pra Itália! De onde "partiram". Desculpe, mas eles partiram da Tunísia!
A Espanha já tratou de criar um bloqueio marítimo para conter a entrada dos imigrantes ilegais vindos do norte da África. Enquanto aqui, são despejados, diariamente, centenas de pessoas...
Semana que vem, Berlusconi vai à Tunísia cobrar um acordo, que já tinha sido feito com aquele país, de conter a saída do povo. Um povo que, aliás, deveria aproveitar agora e reerguer o seu país, depois das recentes mudanças que vão implantar a democracia!!! Ou não é bem assim? Aliás, nada é o que parece ser nestes países que recentemente abriram guerra contra as ditaduras locais. Tenho minhas suspeitas de todo este movimento que está acontecendo nos países norte-africanos, mas isso é assunto para depois.
Enquanto isso, espero ansiosamente pelo encontro no parlamento europeu, dia 11 de abril, quando o assunto será discutido e - espero - haverá um acordo com todos os países europeus para receber os imigrantes norte-africanos. Mas duvido muito ter boas notícias. Não para o caso dos tunisianos. Talvez, para os futuros desembarques vindos da Libia. Aliás, ouvi do próprio ministro da defesa italiano que a Itália "aceitou" ser aliada aos Estados Unidos na interferência no conflito na Líbia porque parte dos refugiados líbios seriam enviados aos States... é o que veremos!
Vendo tudo isso de perto, o ponto de vista sobre refugiados e oportunistas muda um pouco. Dificilmente quem mora no Brasil, por exemplo, vai saber exatamente o que é viver este tipo de situação.
Separar o joio do trigo não é assim tão fácil. E fica cada vez mais difícil.